quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Um olhar materno

Passos curtos e largos intercalam-se me levando a um corredor branco, onde o silêncio é sagrado a todos. Um lugar onde muitos saem com vontade de gritar, só que não podem, então gritam com os olhos, gritam muito, eu sei.
Entro orando a Deus e pedindo coragem para ela e pra mim, quero vê-la reagir, quero vê-la sair dali, mas não posso fazer nada, a não ser continuar gritando...
Por meia hora ou mais, eu fico ali, parada, vendo-a dormir. Até a hora que chega a enfermeira e pergunta: Ela é sua mãe? E eu respondo: Sim.
Minha mãe abre os olhos nesta hora, só nesta hora, como se estivesse esperando isto a anos, até  mesmo, por toda sua vida.
Mãe, Eu te Amo!

Ana Nery Machado
15/12/2010

A Sentença

Hoje estava tentando me lembrar do primeiro momento em que eu percebi que escrever faria parte de toda a trajetória da minha vida. Recordei o momento em que escrevi um poema desengonçado chamado “Amigos” para a Roberta, minha melhor amiga da quinta-série. Lembrei também da primeira série, quando eu escrevi o cabeçalho pela primeira vez... Cubatão, ...  de fevereiro de 19..., mas creio que não foi nenhum desses momentos...
Forçando um pouco mais a memória, apareceu nos pensamentos a primeira professora do “parquinho” tentando me passar o exercício das vogais, ela me forçava a escrever com a mão direita, mas não deu jeito, ela não entendia que eu era canhota, ninguém faz um canhoto, se nasce canhoto, mas enfim, ainda não foi esta a hora, pensei eu.
Então foi que, vasculhando minha biblioteca achei um livro que conta a Vida de Jesus, este livro me acompanha desde o terceiro ano de vida, mais ou menos, quando meu pai ganhou de um Vicentino (vide significado dos Vicentinos no google, muito nobre a causa), tempos depois, meu pai também se tornou um Vicentino, bom, mas voltando ao assunto... Neste livro havia mais ilustrações do que texto, e eu lembrei que embora o livro tivesse mais figuras que palavras, o que me chamava mais atenção era a colação das letras que se transformavam em um sentido só, coisa muito estranha de se acontecer com uma criança por sinal, não acham? E eu gostava muito do formato do texto, havia uma vontade muito grande de entender aqueles símbolos juntados (sim, porque eu já sabia que aquilo tudo tinha um propósito, de alguma forma) os olhos brilhavam mais pelas letras que pelas cores, porque as cores, eu enxergava dentro das letras, e no fundo, eu sabia que, se conseguisse entender o que elas diziam, eu saberia pintar meus próprios quadros (ilustrações), um dia. E sim, este foi o primeiro momento.

Ana Nery Machado
15/12/2010

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Apaixonada

E ela estava apaixonada, não podia ver a moça do apto 401 que ia logo ficar fixada no que ela estava fazendo. Todo dia ela via a moça chegar em casa, sentar no sofá para tirar os sapatos dos pés cansados, pegar o controle para ligar a TV e pronto, 5 minutos de descanso. Ela contentava-se em só olhar, todos os dias sem cansar, até que um dia resolveu sair detrás do sofá, foi andando com seus passos curtos e lentos, pouco a pouco foi aparecendo na frente da moça, que estava nos seus 5 minutos de descanso no sofá. A moça conseguiu enxergá-la, fitou-a por um bom tempo, enquanto isso ela sorria, estava feliz porque conseguiu fazer a moça percebê-la por um instante apenas, foi quando de repente a moça pegou-a pela traseira e jogou-a pra fora da porta. Ela ficou decepcionada, ficou paralisada na porta, do lado de fora, e não acreditara que a pessoa por quem estava tão apaixonada havia feito isso com ela. No outro dia, a moça havia feito seu ritual normalmente, quando estava descansando no sofá, como de costume, ela avistou a Traça... de novo, ela não desistira, estava lá na frente da moça, no chão, esperando ser avistada. A moça olhou para a Traça por muito tempo, não se levantou mais, apenas ignorou-a como se não tivesse mais jeito e continuou a descansar, a moça sabia que se jogasse a Traça fora, amanhã, ela estaria lá novamente.

Ana Nery Machado
13/12/2010

sábado, 11 de dezembro de 2010

Poeta moderno

Eu sou um poeta moderno, talvez. Eu não uso drogas, não vivo entre putas e cochichos de esquinas. Eu sou um poeta moderno, já disse... Eu me alimento de sentimentos e sentidos humanos, simples no significado, ricos no gosto, nas palavras que caem sobre o meu colo, são tão fáceis, tão amargas e doces ao mesmo tempo, que até me confundem, não sei de quem são, nem o que querem aqui comigo. Por que eu escrever?
Eu sou apenas um poeta, um poeta moderno, às vezes contista, cronista e afins, eu faço as palavras, eu monto fila indiana com elas, até me dizerem o que quero, até me fazerem amá-las, gostar do que estou sentindo. Sim, sentindo, porque eu sinto o que escrevo, tudo fica aqui, conspirado e colado em um monte de personagens que não me deixam, que se espremem dentro de mim. Nem sei como vivem, nem sei como ainda não desistiram de morar aqui. Uma vez tentei chamar um deles, mas ele não me deu muita audiência, não quis conversa, deu de ombros e saiu para mais dentro de mim. Eles e elas vivem aqui, já disse. Os personagens e as palavras moram em mim, e eu não uso drogas, e eu não vivo entre putas e cochichos de esquinas, nunca foi assim, e eu não entendo como e porque eles moram aqui.

Ana Nery Machado
12/12/2010


Mãos

Mãos inchadas,
mãos sofridas e
manchadas com a cor do tempo,
do lápis da escola,
do cachorro amigo,
da família ruída,
da comida temperada,
da madeira cerrada,
do dinheiro suado,
do suor mais sagrado
com a cor do barro,
com a cor da rua.
Mãos com marcas,
marcas marcadas pelo tom da vida.

Ana Nery Machado
11/12/2010

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Diário

Comprei um diário, sabe, resolvi recomeçar do começo, afinal, tudo começou assim, anos atrás quando eu morava... Ah, não importa onde eu morava mesmo, (baixinho) mas é na mesma cidade que eu moro hoje sim hihihi. Mas a verdade é que vi um diário esses dias, capa bonita, jeitosa que só ela, “um tal de Picasso”, disseram pra mim, botei a mão no queixo e lembrei de quando tinha um diário, tudo começou ali, tudo meu se encontrava ali, desde a braveza do Vô João até a surdez da Vó Zefa. Então, como estava dizendo, eu comprei um diário pra começar de novo, é, um diário, pra contar histórias e estórias de vida e de morte matada, porque não? Histórias e estórias que a gente gosta de ouvir, de contar, de sonhar, porque não? Não via a hora de chegar em casa, mas tava na hora do almoço do trabalho, “e essa hora que não passa, preciso escrever no diário”, fui trabalhando sem tirar os olhos do Picasso, “caramba, mas essa figura é bonita demais, acho que vou mandar pintar um quadro igual a esse”, aí chegou a hora e fui a passos largos pra casa, “mas que coisa que não chego logo em casa”, confusão na porta, cadê a chave? Achei. Abri a porta, fechei-a por dentro com pressa e respirei fundo. “Uffa, consegui.” O telefone tocou: PLIN PLIN PLIN! “Oi Mariquita, eu posso te ligar depois?” Mariquita: blábláblá, meia hora depois, Mariquita desligou. “Agora sim.” Sentei, pousei o diário sobre a mesa, lancei a caneta e... bateram na porta: TOC TOC TOC. Ah não, agora não ... TOC TOC TOC. “É a sindica, uma hora na conversa, não.” Desesperei, corri a caneta somente com uma oração: “Escrevi no Diário.” Levantei pra abrir a porta. Anos atrás, eu tinha mais tempo.

Ana Nery Machado

07/12/2010

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Quero dormir com você

Quero dormir com você, só eu e você, quero sentir sua dureza inflamável no meu corpo de doer, nessa cama de madeira, isso eu quero ver.
Quero ver a meia lua bem no rosto, ver seus olhos ardendo, vermelhos, só pra me fazer sorrir de leve, suspirando baixinho, palavreando no ouvido, colado e calado, enfim.
Quero sentir você contar na minha pele as cadeiras que observam a gente, tão inocentes, salão escuro e lilás.
Ação.
Eu te contei?
Quero dormir com você.

Ana Nery Machado
06/12/2010

E você, o que acha?

Acho que neste momento eu preciso escrever mais e amar menos. Aná Nery Machado 14/06/2020