quinta-feira, 1 de maio de 2014

Resolvi comprar um Sanduíche

Resolvi comprar um sanduíche, mas não sabia onde. Saí pela cidade atrás de um lugar bom e barato, então, fui andando pela orla da praia, lia as placas e nada me agradava... Até que avistei um lugar chamado Marrocos. E entrei.
Entregaram-me o cardápio, mas não precisei pensar muito para pedir um X – tudo “para levar, por favor”. Enquanto aguardava a encomenda, observava as pessoas sentadas, o lugar estava cheio, pessoas com mais idade, garotas seminuas, mostrando-se para os rapazes, tudo como sempre é, como sempre foi.
Foi quando pensei nos meus pais que havia visitado a pouco, as linhas de expressão, rugas, olhos caídos, a mancha da pele, como o tempo havia passado e eu não percebi. Deu-me um assalto súbito de dor, sem dor. Saudades que não se pode contar em números, de um tempo que... Enfim, nunca mais será.
O sanduíche chegou, paguei e saí do Marrocos em direção à minha casa. Fui contando passos largos, quando me parou a mão de um homem sentado na calçada a pedir algo como esmola ou afins. Passei reto, continuando a passos largos, mas a minha consciência começava a diminuir o meu ritmo, pensava em quanto o meu bom senso não permitia ajudar alguém nessas situações. Mas precisava pensar em mim, pois hoje só tinha pro sanduíche, não me sobrara mais nada. E o que eu faria então? Voltaria e entregaria meu lanche pra ele. E eu comeria o quê depois? Senti que ter bom senso é uma merda, pois se comparássemos nós dois, estávamos quase na mesma situação, a diferença é que eu tinha o poder de escolher qual a boca que iria encher.
Minha mente fez com que, paulatinamente, voltasse ao encontro daquele rapaz, quando percebi estava à frente dele sem saber o que dizer. Ele olhava pra mim surpreso, com os olhos esbugalhados, e eu olhava para ele, sem expressar um músculo facial, sem falar um fonema. Observei o seu rosto sujo de poeira, seu cabelo impermeável, suas mãos e pés descalços, ferrados pelo tempo.
Pensei nos meus pais, emendei a ruga paterna com a poeira da rua, ilustrei um filme só meu no subconsciente imutável do passado. “Todos vão embora, um dia”. Ainda estava na frente do rapaz empoeirado quando peguei o celular e liguei. Meu pai atendeu com aquele alô de costume, eu disse que estava mandando eles nunca morrerem. Ele sorriu e disse que a ordem estava protocolada para averbação. Eu respondi um “tá bom” e desliguei o telefone.
O rapaz sorria com sua boca de caverna, eu sorri de volta. Quando guardava o celular, como num assalto, o empoeirado pegou meu sanduíche e saiu a correr orla abaixo.
Fui pra casa com a fome chamando... E tentando entender porque ele não roubou meu celular.

Ana Nery Machado
05/2014



Os espelhos de Narciso

Fabricio era pobre, “tadinho dele”, era o que diziam ao ver aquele menino vindo com os sapatos melados de lama, descendo daquele ônibus que o trazia daquele bairro distante, que só.
Na escola, era sempre o protegido dos professores quando discutia com Maurinho, o menino petulante do bairro nobre que a mamãe vinha levar e trazer de carro todos os dias.
A vida estava na sua direção certa, até que, a professora Olga, movida por um sentimento de resolução, quis visitar esses dois meninos e suas famílias, para tentar resolver essas brigas de adolescentes sem sentido algum.
E lá foi a professora Olga para a casa do Fabricio. O bairro era distante, mesmo. E chegando lá, tal foi seu espanto quando olhou à frente da casa com o jardim bem cuidado, margaridas bem cuidadas nas janelas, piscina limpíssima, aguardando os dias mais quentes do ano.
Pensou que estava no lugar errado, porém o aceno de Fabricio não deixou dúvidas de que era lá que ele morava. Entrou na casa e... ar-condicionado em todas os cômodos da casa, que continha uma mobília copiada de novela.
E lá, sentada na poltrona mais confortável que sentara, a professora Olga ouviu da mãe de Fabricio de onde vinham suas rendas: Ah sim, de duas pensões que eu tenho, sabe, né professora, tem também alguma ajuda a mais do governo e eu não pago imposto, água, luz, condomínio, isso diminui bastante minhas despesas, consegui reformar a casa e ainda comprar esse carrinho aí que está na garagem.
Dona Olga sabia que o veículo valia mais que um comum do preço popular, porém fez não saber de nada e logo deu um jeito de ir embora, pois seus pensamentos egoístas a deixavam estupefata com sua realidade de andar de carro popular, sem ar e direção hidráulica e ainda ter a vida de trabalhar pra pagar conta, resumindo, toda aquela lista que a mãe de Fabricio relatara e que ela já sabia decorada.
Naquele dia, encerrara seu expediente, deixaria para visitar Maurinho outro dia... Confusão de ideais de vida afrontavam sua essência.

Ana Nery Machado
04/2014




E você, o que acha?

Acho que neste momento eu preciso escrever mais e amar menos. Aná Nery Machado 14/06/2020