Já havia um tempo que esperava por ele, o Cícero enrolou até onde pode com aquela edição, toda semana perguntava quando iria chegar os primeiros exemplares... E ele me respondia que a editora tinha enviado uma capa que não gostara e que não iria ser assim: mandou voltar! Tudo bem, eu continuava a esperar...
Até que um dia recebi uma mensagem de texto pelo celular: “Meus meninos chegaram...”, minha mente maluca e dispersa não entendera a metáfora, mas o Cícero acabou com minha duvida e ligou dizendo que eles haviam chegado. Oba! Enfim conseguirei lê-lo. Comprei-o fiado, o pagamento ficou pro dia do lançamento, quando cheguei em casa não agüentei esperar nem para abrir a porta, os olhos brilhavam... na cama, na sala, no banheiro... Em tudo e com tudo os olhos brilhavam com aquelas páginas que eu esperava tanto... Enfim sós por muito e muito tempo...
Chegou o dia do lançamento, lógico que peguei meu exemplar para ser autografado, foi aí que percebi suas orelhas grandes e marcadas, suas páginas manchadas por tinta de cabelo, café e até migalhas de bolacha. “Meu Deus!” pensei. Eu havia acabado com meu exemplar, ele estava surrado, esmagado por gotas de chuva, ruas enlameadas e até pássaros que visitam a janela de casa. “Que vergonha!” pensei again. O Cícero iria achar um desleixo com a obra dele, olha o que eu fiz...
Depois de tanto me martirizar, soquei o livro na bolsa e fui descendo as escadas, inadmissível chegar atrasada!
Do rol já o avistava todo orgulhoso de sua obra, pessoas em volta com seu livro na mão... Livros limpos, folhas brancas, sem as minhas orelhas manchadas ou coisas assim... Eu me aproximei e em nome da amizade fui logo dizendo: “Cícero, eu li tudo, você pode autografar pra mim?” Fui logo tirando o livro da bolsa, fui endireitando com as mãos e até com o corpo pra deixar mais reto, mais apresentável, enquanto isso eu pensava: “Que vergonha!”.
O Cícero pegou o livro nas mãos, olhou... Folheou as páginas com um sorriso sério, eu sabia que havia chegado a hora da sentença. Após este intervalo, ele olhou pra mim fixamente e abriu um largo sorriso sincero, aberto, esquecera o sério: “Você leu página por página, estão todas marcadas, folheadas, um livro como todo leitor de verdade deve ter, ele deve ter passado horas com você...”.
Aliviei minha dor, descobri que o que importa para o escritor é sempre o leitor!
Ana Nery Machado
02/08/2010
“Devoção é algo que quando você tem um desejo, se você não conseguir realizá-lo, você sabe que irá morrer.” (li algo parecido num artigo, guardei pra mim.)