Resolvi
comprar um sanduíche, mas não sabia onde. Saí pela cidade atrás de um lugar bom
e barato, então, fui andando pela orla da praia, lia as placas e nada me
agradava... Até que avistei um lugar chamado Marrocos. E entrei.
Entregaram-me
o cardápio, mas não precisei pensar muito para pedir um X – tudo “para levar,
por favor”. Enquanto aguardava a encomenda, observava as pessoas sentadas, o
lugar estava cheio, pessoas com mais idade, garotas seminuas, mostrando-se para
os rapazes, tudo como sempre é, como sempre foi.
Foi
quando pensei nos meus pais que havia visitado a pouco, as linhas de expressão,
rugas, olhos caídos, a mancha da pele, como o tempo havia passado e eu não
percebi. Deu-me um assalto súbito de dor, sem dor. Saudades que não se pode
contar em números, de um tempo que... Enfim, nunca mais será.
O
sanduíche chegou, paguei e saí do Marrocos em direção à minha casa. Fui
contando passos largos, quando me parou a mão de um homem sentado na calçada a
pedir algo como esmola ou afins. Passei reto, continuando a passos largos, mas
a minha consciência começava a diminuir o meu ritmo, pensava em quanto o meu
bom senso não permitia ajudar alguém nessas situações. Mas precisava pensar em
mim, pois hoje só tinha pro sanduíche, não me sobrara mais nada. E o que eu
faria então? Voltaria e entregaria meu lanche pra ele. E eu comeria o quê
depois? Senti que ter bom senso é uma merda, pois se comparássemos nós dois,
estávamos quase na mesma situação, a diferença é que eu tinha o poder de
escolher qual a boca que iria encher.
Minha
mente fez com que, paulatinamente, voltasse ao encontro daquele rapaz, quando
percebi estava à frente dele sem saber o que dizer. Ele olhava pra mim
surpreso, com os olhos esbugalhados, e eu olhava para ele, sem expressar um
músculo facial, sem falar um fonema. Observei o seu rosto sujo de poeira, seu
cabelo impermeável, suas mãos e pés descalços, ferrados pelo tempo.
Pensei
nos meus pais, emendei a ruga paterna com a poeira da rua, ilustrei um filme só
meu no subconsciente imutável do passado. “Todos vão embora, um dia”. Ainda
estava na frente do rapaz empoeirado quando peguei o celular e liguei. Meu pai
atendeu com aquele alô de costume, eu disse que estava mandando eles nunca morrerem. Ele sorriu e disse que a ordem estava
protocolada para averbação. Eu respondi um “tá bom” e desliguei o telefone.
O
rapaz sorria com sua boca de caverna, eu sorri de volta. Quando guardava o
celular, como num assalto, o empoeirado pegou meu sanduíche e saiu a correr
orla abaixo.
Fui
pra casa com a fome chamando... E tentando entender porque ele não roubou meu
celular.
Ana Nery Machado
05/2014