Há dias que Gisele juntava
dinheiro para comprar aquele lanche conhecido por todos daquela cidade fulgurante.
Gisele não gostava da cidade, mas gostava do lanche. Ah, aquele lanche... podia
se lembrar de quando passou naquela calçada pela primeira vez e começou a
salivar de vontade. Enfim, precisava de dinheiro para comprar aquele lanche, e
foi aí que fez os cálculos de quantos dias trabalhados precisava para sentar no
restaurante Vinho Seco e provar
aquela iguaria.
E assim foi feito, trabalhou com
a barriga na chapa quente, lavou pratos brilhantemente, cortou verduras e montou marmitas no capricho, até que o dia chegou e juntou o valor adquirido
dentro de um saco de supermercado, fez um nó e saiu enfiando tudo no bolso
rasgado.
Andava a passos largos na Rua do
Ouvidor quando chegou ao restaurante e sentou à beira mar, ainda com os
sentimentos nervosos, entregando seu dinheiro ao garçom como se quisesse
assegurar suas condições de pagar. Pediu o lanche com a veemência de um
caçador, e com o lanche nas mãos, foi abocanhar o seu desejo ao passo que um
maltrapilho clamou por comida às pessoas que ali estavam. Gisele fitava a
situação ao longe, e ao mesmo tempo, perdeu o desejo da primeira mordida enquanto
ninguém olhava para o homem que pedia.
Num arroubo, Gisele levantou com
o lanche agarrado entre as duas mãos na direção do homem, foi chegando próximo e
ofereceu – o antes que batesse o arrependimento. Mesmo que não tenha dito isto
naquele momento, foi o que pensou.
Entregou o símbolo do seu
trabalho de dias ao homem e saiu passando a mão na cabeça. O homem agachou no
meio - fio da rua e engoliu o lanche numa mordida voraz.
Gisele botou a mão na calça,
sentiu a sacola vazia e pensou que pelo menos havia alguma coisa para preencher
o bolso. Olhou para a mesa em que estava sentada no restaurante, avistou a taça
de vinho seco e sorriu da sua sorte que não era muita, mas também não era nada.
Ana Nery Machado
28/12/2015