terça-feira, 29 de setembro de 2009

O balé

Quando as cortinas se abriram, só se ouviu o som da respiração quando o refletor central acendeu no palco, o chão começou a falar e os olhos enxergaram mais nada.
Assim foi quando Carolina entrou em cena, a dança soou e o corpo se mostrou leve a cada toque no assoalho, a cada momento circular.
A música passava os gestos, a sombra na cortina de fundo escoava solta sobre o negro do veludo.
E o rosto? Ah, aquela expressão facial, os músculos escutavam e falavam, se sentia dali da platéia. O sorriso, uma surra na cara, as rugas soavam como condenação.
E Carolina latejava por dentro, não sentia mais o coração, só sentia as veias que circulavam pelo corpo com precisão de gestos e omissões precisas, mal acreditava estar naquele solo, naquela terra onde a planta não se dá lá. Tudo foi mágico e azul, como a arte precisa ser.
E Carolina encantava... Cabelos cacheados na cintura, silhueta de veludo, olhar calmo, vestia um branco longo que deixava transparente todas as suas verdades e inteirezas, saia envolta nas pernas de cigana, coisa linda de se ver.
E num movimento fechado, numa de suas voltas entre pernas e braços, expressou-se no chão, eis que seus olhos encontram a madeira brilhosa, e na desenvoltura de um sorriso, Carolina deu de encontro com ela, ali, solta, participando daquele momento único (de um só): uma barata!
A expressão de Carolina quis se abalar, mas se recobrou em tempo, seus olhos piscaram, as mãos correram ao pescoço, e algo que se passou foi intenso, pois a bailarina, que antes se sentia solitária, mas feliz, agora levantava num movimento solto e concentrado de um balé, mas sabendo que não havia apenas um só, seu invólucro foi mais que perfeito, manteve o sorriso, cada músculo no lugar, a música foi baixando a cada nota e os movimentos foram sendo finalizados , um a um, de cada vez, por fim, o som acabara quase que por inteiro.
Carolina passava o último movimento, deu de encontro com a amadeirada cor do chão, olhou fixamente para ela, a barata, a última nota tocara, o público aplaudiu, gritou, levantou. A bailarina se manteve ali, na mesma posição durante todo o momento que todos ovacionaram, respirava forte, sentia-se realizada, porém sabia que havia mais alguém além dela que recebera toda aquela recompensa, naquela exata hora.


“Por uma mostra de dança inesquecível”
Ana Nery Machado
17/09/2009

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Acho que neste momento eu preciso escrever mais e amar menos. Aná Nery Machado 14/06/2020